Em uma das mais conhecidas fábulas da literatura atribuída a Esopo (620-560 a.c) um pequeno pastor diverte-se a enganar seus vizinhos gritando com freqüência a palavra “Lobo” em alusão a um ataque do animal a rebanhos de ovelhas. Diante da ameaça, inúmeros colegas corriam a ajudá-lo e descobriam que nenhum risco existia. Sem remorso, o pastor reagia com arrogância diante daqueles que tinham se prontificado a socorrê-lo, voltando a repetir a brincadeira até que um dia, a mesma deixou de ser ficção para tornar-se realidade. Atacado pelo lobo, o pastor foi abandonado à própria sorte, levando à moral da história: ninguém acredita em um mentiroso mesmo quando ele estiver falando a verdade.
Mais do que uma simples “moral da história” que pode parecer deslocada em uma discussão sobre política internacional no século XXI (ou sobre a revolta árabe e a política externa de muitos países), a trajetória do pastor e do lobo é recorrente na política, vide a instrumentalização da mentira como verdade e da ameaça como medo e exagero. Atrelada a discursos e ações políticas independente do país e da circunstância, grandes tragédias humanitárias, guerras e opressões tendem a ser justificadas a partir do outro, da metáfora do lobo. Neste contexto, a metáfora concretizada na figura de um determinado grupo de pessoas por sua origem, religião ou etnia, em um partido político por sua ideologia, permite a aceitação silenciosa de fenômenos como genocídios, invasões e repressões militares, restrição de direitos humanos.
Muitas são as faces dos inimigos, internos e externos, dependendo da nação e do momento, mas é possível detectar um interessante padrão atualmente, cujas origens localizam-se em 11/09/2001. Desde os atentados terroristas ao território continental norte-americano, pelos quais teria sido responsável, a Al Qaeda tornou-se a origem de diversos atos de violência e insurgência. Para os Estados Unidos (EUA) e aliados europeus ocidentais, Bin Laden e a Al Qaeda, configuraram-se no principal inimigo de suas democracias. Definida como ameaça maior à ordem mundial, o grupo deu origem às interpretações sobre o avanço do terrorismo transnacional, de células dispersas e comandos descentralizados, um polvo que, com seus tentáculos, perpassava, sem limites ou fronteiras, todos os países e sociedades. Inclusive, esta “teia”, segundo as avaliações dos EUA, estendia-se até a América do Sul, na porosa região da Tríplice Fronteira Brasil, Argentina e Paraguai, e no financiamento das guerrilhas e do tráfico na Colômbia, que foram renomeadas como “narcoterroristas”.
Dois conflitos foram iniciados no bojo da Guerra Global Contra o Terror de Bush, no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003) sendo que, no Iraque, a fábula foi reconstruída. A “moral da história” foi repensada, para recair em um ditado popular: o de que mentiras, caso repetidas várias vezes e bem construídas, passam a ser verdadeiras, mesmo para os que as elaboraram.
Mais do que uma simples “moral da história” que pode parecer deslocada em uma discussão sobre política internacional no século XXI (ou sobre a revolta árabe e a política externa de muitos países), a trajetória do pastor e do lobo é recorrente na política, vide a instrumentalização da mentira como verdade e da ameaça como medo e exagero. Atrelada a discursos e ações políticas independente do país e da circunstância, grandes tragédias humanitárias, guerras e opressões tendem a ser justificadas a partir do outro, da metáfora do lobo. Neste contexto, a metáfora concretizada na figura de um determinado grupo de pessoas por sua origem, religião ou etnia, em um partido político por sua ideologia, permite a aceitação silenciosa de fenômenos como genocídios, invasões e repressões militares, restrição de direitos humanos.
Muitas são as faces dos inimigos, internos e externos, dependendo da nação e do momento, mas é possível detectar um interessante padrão atualmente, cujas origens localizam-se em 11/09/2001. Desde os atentados terroristas ao território continental norte-americano, pelos quais teria sido responsável, a Al Qaeda tornou-se a origem de diversos atos de violência e insurgência. Para os Estados Unidos (EUA) e aliados europeus ocidentais, Bin Laden e a Al Qaeda, configuraram-se no principal inimigo de suas democracias. Definida como ameaça maior à ordem mundial, o grupo deu origem às interpretações sobre o avanço do terrorismo transnacional, de células dispersas e comandos descentralizados, um polvo que, com seus tentáculos, perpassava, sem limites ou fronteiras, todos os países e sociedades. Inclusive, esta “teia”, segundo as avaliações dos EUA, estendia-se até a América do Sul, na porosa região da Tríplice Fronteira Brasil, Argentina e Paraguai, e no financiamento das guerrilhas e do tráfico na Colômbia, que foram renomeadas como “narcoterroristas”.
Dois conflitos foram iniciados no bojo da Guerra Global Contra o Terror de Bush, no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003) sendo que, no Iraque, a fábula foi reconstruída. A “moral da história” foi repensada, para recair em um ditado popular: o de que mentiras, caso repetidas várias vezes e bem construídas, passam a ser verdadeiras, mesmo para os que as elaboraram.
Antes da invasão ao Iraque em 2002, cerca de 90% dos norte-americanos acreditava que Saddam Hussein era um agente da Al Qaeda e, em parceira com Bin Laden, fora o responsável por 11/09. Os estudos da Comissão de 11/09, o livro “Contra Todos os Inimigos” de Richard Clarke (2004) que contestava as alegações de W. Bush sobre os atentados, a ausência de uma conclusão sobre os episódios envolvendo antraz que se seguiram à 11/09, buscavam sobrepujar estas certezas e reavaliar, afinal, quem seriam, ou eram os inimigos da América, mas não obtiveram repercussão.
Na oportunidade, o acadêmico britânico Fred Halliday¹ (1946-2010), da London School of Economics, alertou para os riscos deste pânico auto-induzido, que mistificava a Al Qaeda. Para Halliday, as alegações dificultavam a compreensão de um fenômeno político concreto, atribuindo a Bin Laden apenas a violência pela violência. Apesar de Bin Laden ser lembrado como “treinado pela CIA”, as retóricas pós-11/09 jogavam uma cortina de fumaça sobre as origens deste movimento nos anos 1970/1980, a partir das triangulações da diplomacia norte-americana com os insurgentes afegãos e as pressões sobre a União Soviética (URSS), que resultaram na Guerra do Afeganistão (1979/1989). Fatores como a Revolução Iraniana (1979) e a Guerra Irã-Iraque (1980/1988) igualmente faziam parte de uma grande estratégia norte-americana para o Oriente Médio que, se em algumas nações visava barrar o que definia como “onda verde” (a revolução fundamentalista islâmica do Irã), em outros, aliava-se aos “lutadores da liberdade”, independente de suas orientações radicais (como no Afeganistão).
Ainda que muitos alegassem que esta era somente mais uma tentativa dos EUA de substituir o inimigo soviético por outra contraparte, a caracterização da Al Qaeda e Bin Laden como a “ameaça número 1”, ultrapassava as demandas norte-americanas, para se consistir em uma justificativa quase geral do Ocidente para medidas sociais e políticas coercitivas.
Apresentadas como excepcionais, cada vez mais, estas regulamentações parecem ser a regra, vide a mais recente extensão do Ato Patriota criado nos EUA em 2001 para o combate ao terrorismo.
Em 25 de Fevereiro de 2011, às vésperas de sua expiração, o Ato Patriota foi renovado, mais uma vez, de forma provisória, por três meses pelo governo Barack Obama devido à pressão dos republicanos e da comunidade de segurança e inteligência nacionais. Como provisões da renovação, que após três meses, poderá ser prorrogada por mais um ano, permanecem o monitoramento de cidadãos e acesso a informações pessoais de suspeitos. Enquanto o mundo estava absorvido pelos movimentos democráticos no Oriente Médio, que se prolongam, e com muitos deles agora defendidos pelos EUA, o modelo norte-americano contrariava suas melhores recomendações. Mais do que o risco do crescente terrorismo interno e polarizações domésticas, a sombra da Al Qaeda foi a justificativa de mais esta reedição.
A manipulação da Al Qaeda, porém, deixou, em 2011, de ser exclusiva aos países ocidentais. A prática estendeu-se a diversas partes do mundo árabe que hoje enfrentam revoltas, revoluções e, no limite, guerras civis, para defender a mudança de regime e a democracia. Para preservar suas nações da desagregação, da violência provocadas pela Al Qaeda, dirigentes advogam perante o Ocidente e suas populações sua permanência no cargo. Somente para citar dois exemplos, no Egito de Mubarak e na Líbia de Kadafi, a Al Qaeda assumiu papel central nas crises, ignorando as inúmeras raízes de insatisfação popular que facilitaram a eclosão do processo.
Pode ter havido ingerência e/ou motivação externa em muitas destas revoltas, inclusive as que se encontram em andamento? Certamente, mas não só da Al Qaeda ou dos EUA, mas de interesses políticos, econômicos e estratégicos múltiplos e dispersos em uma região-chave para o dilema energético mundial. A não compreensão deste intrincado jogo de poder, ou a tentativa de deslegitimá-lo ao atribuí-lo exclusivamente a um ator sempre comentado, mas pouco conhecido, implica não só prolongar a instabilidade, mas colocar em xeque o futuro da reestruturação político-social destes regimes. Afinal, não se pode deixar de achar “curioso” que um dos poucos pontos que una o Ocidente e o Oriente neste período recente, de Obama a Mubarak, passando por Kadafi, seja o lobo Al Qaeda.
Na oportunidade, o acadêmico britânico Fred Halliday¹ (1946-2010), da London School of Economics, alertou para os riscos deste pânico auto-induzido, que mistificava a Al Qaeda. Para Halliday, as alegações dificultavam a compreensão de um fenômeno político concreto, atribuindo a Bin Laden apenas a violência pela violência. Apesar de Bin Laden ser lembrado como “treinado pela CIA”, as retóricas pós-11/09 jogavam uma cortina de fumaça sobre as origens deste movimento nos anos 1970/1980, a partir das triangulações da diplomacia norte-americana com os insurgentes afegãos e as pressões sobre a União Soviética (URSS), que resultaram na Guerra do Afeganistão (1979/1989). Fatores como a Revolução Iraniana (1979) e a Guerra Irã-Iraque (1980/1988) igualmente faziam parte de uma grande estratégia norte-americana para o Oriente Médio que, se em algumas nações visava barrar o que definia como “onda verde” (a revolução fundamentalista islâmica do Irã), em outros, aliava-se aos “lutadores da liberdade”, independente de suas orientações radicais (como no Afeganistão).
Ainda que muitos alegassem que esta era somente mais uma tentativa dos EUA de substituir o inimigo soviético por outra contraparte, a caracterização da Al Qaeda e Bin Laden como a “ameaça número 1”, ultrapassava as demandas norte-americanas, para se consistir em uma justificativa quase geral do Ocidente para medidas sociais e políticas coercitivas.
Apresentadas como excepcionais, cada vez mais, estas regulamentações parecem ser a regra, vide a mais recente extensão do Ato Patriota criado nos EUA em 2001 para o combate ao terrorismo.
Em 25 de Fevereiro de 2011, às vésperas de sua expiração, o Ato Patriota foi renovado, mais uma vez, de forma provisória, por três meses pelo governo Barack Obama devido à pressão dos republicanos e da comunidade de segurança e inteligência nacionais. Como provisões da renovação, que após três meses, poderá ser prorrogada por mais um ano, permanecem o monitoramento de cidadãos e acesso a informações pessoais de suspeitos. Enquanto o mundo estava absorvido pelos movimentos democráticos no Oriente Médio, que se prolongam, e com muitos deles agora defendidos pelos EUA, o modelo norte-americano contrariava suas melhores recomendações. Mais do que o risco do crescente terrorismo interno e polarizações domésticas, a sombra da Al Qaeda foi a justificativa de mais esta reedição.
A manipulação da Al Qaeda, porém, deixou, em 2011, de ser exclusiva aos países ocidentais. A prática estendeu-se a diversas partes do mundo árabe que hoje enfrentam revoltas, revoluções e, no limite, guerras civis, para defender a mudança de regime e a democracia. Para preservar suas nações da desagregação, da violência provocadas pela Al Qaeda, dirigentes advogam perante o Ocidente e suas populações sua permanência no cargo. Somente para citar dois exemplos, no Egito de Mubarak e na Líbia de Kadafi, a Al Qaeda assumiu papel central nas crises, ignorando as inúmeras raízes de insatisfação popular que facilitaram a eclosão do processo.
Pode ter havido ingerência e/ou motivação externa em muitas destas revoltas, inclusive as que se encontram em andamento? Certamente, mas não só da Al Qaeda ou dos EUA, mas de interesses políticos, econômicos e estratégicos múltiplos e dispersos em uma região-chave para o dilema energético mundial. A não compreensão deste intrincado jogo de poder, ou a tentativa de deslegitimá-lo ao atribuí-lo exclusivamente a um ator sempre comentado, mas pouco conhecido, implica não só prolongar a instabilidade, mas colocar em xeque o futuro da reestruturação político-social destes regimes. Afinal, não se pode deixar de achar “curioso” que um dos poucos pontos que una o Ocidente e o Oriente neste período recente, de Obama a Mubarak, passando por Kadafi, seja o lobo Al Qaeda.
Por: Cristina Soreanu Pecequilo
Fonte: Opera Mundi
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