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quinta-feira, 17 de março de 2011

Muito além do Bahrein


A escalada da repressão no Bahrein é ainda mais relevante por suas implicações no mundo árabe, para além das próprias fronteiras e do esforço de mais um regime autoritário para reprimir manifestações populares.

Pela primeira vez desde que a tempestade de protestos se abateu sobre o norte da África e o golfo Pérsico, há três meses, entram em cena dois ingredientes com potencial para levar a região a um novo -e mais alto- patamar de tensão.

O primeiro é a interferência da Arábia Saudita. Ainda que a pedido da monarquia bareinita e sob os auspícios do Conselho de Cooperação do Golfo, organização multilateral da região, introduz uma temerária internacionalização do conflito.

O segundo ingrediente perturbador tem fundo religioso, o choque entre as duas vertentes principais do islã (sunitas e xiitas). Da Tunísia ao Egito e do Iêmen à Líbia, os protestos vocalizavam demandas políticas e sociais, e não religiosas.

De maioria sunita, a Arábia Saudita enviou 1.200 homens para reforçar a repressão aos protestos no Bahrein. Estes são protagonizados por xiitas, que perfazem dois terços da população nativa.

Outros 800 homens de países vizinhos integram a legião interventora. O poderio de repressão, assim reforçado, se fez sentir ontem na retomada da praça da Pérola, foco de manifestações que, por dois meses já, buscam reeditar o clamor da praça Tahrir do Cairo.

O emprego de tropas estrangeiras na repressão aos xiitas provocou reações exaltadas de países onde essa denominação do islã é majoritária, como Irã e Iraque. Em cenário ainda distante, mas não de todo implausível, a autocracia de Mahmoud Ahmadinejad pode alegar o duvidoso dever iraniano de sair em defesa dos xiitas ora oprimidos no Bahrein.

Os EUA ainda hesitam sobre o melhor caminho a seguir. Manifestaram ontem repúdio à nova onda de violência; antes, inteirados do envio de tropas, não haviam levantado obstáculo. A Arábia Saudita é sua maior aliada na região, e o Bahrein, base de sua estratégica Quinta Frota.

O pior cenário para o surpreendente despertar árabe seria uma onda de violência sectária na região, que poderia realimentar a tensão geopolítica subjacente e emperrar a caminhada dessa parte do mundo rumo a sociedades mais livres.




Fonte: Folha de Sao Paulo

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