Pequim lançou o primeiro satélite nigeriano, construiu os novos prédios da administração pública na Argélia, terminou a estrada que Osama Bin Laden começou no Sudão antes de fugir para o Afeganistão, construiu mais de 100 escolas pela África e financia até mesmo prisões para que ditadores africanos silenciem a oposição. Nada disso vem por acaso.
Dez anos depois de estabelecer a África como uma de suas prioridades, a China transforma o mapa do continente negro, passa a ser o principal parceiro econômico dos africanos e supera pela primeira vez as ex-potências coloniais.
Em declarações ao Estado, ex-presidentes africanos, especialistas e os próprios empresários chineses confirmam: a China está comprando seu futuro na África.
O continente hoje é visto pelos chineses simplesmente como o trampolim para permitir que a China, que já é a segunda economia do mundo, tenha acesso a recursos naturais, alimentos e energia para manter seu ritmo de crescimento nas próximas décadas e eventualmente superar a economia americana.
Assim como o faroeste promoveu a transformação econômica e produtiva dos Estados Unidos e deu acesso a novas fontes de recursos naturais há mais de um século, a África hoje cumpre esse papel para a China, que acredita que, em 20 anos, se abastecerá de 50% de sua energia do continente.
Para obter esse acesso, Pequim é obrigada a lidar com governos corruptos, ditadores e Estados falidos. A estratégia é clara: não fazer perguntas sobre assuntos domésticos nem exigir, como faz o Banco Mundial, compromissos com a democracia ou com transparência nas contas do Estado.
A tática começa a dar resultados concretos. O ano de 2010 fechou pela primeira vez com um comércio de US$ 100 bilhões entre os dois novos parceiros. O fluxo simplesmente se multiplicou por dez em apenas dez anos.
Num "safári" sem precedentes, a China rompeu monopólios europeus nos países africanos, injetou novo crescimento nas economias da região e abriu uma nova lógica na África, exatamente no momento em que o continente marca os 50 anos da descolonização.
Estratégia
Com recursos de US$ 2,4 trilhões do Estado e sem nenhum complexo em afirmar que se trata de um projeto de Estado, a estratégia chinesa na África não se limita a estabelecer uma "colônia de exploração". A constatação de todos é clara: a China desembarcou na África para ficar e já são 800 mil os chineses vivendo no continente.
Muitos são comerciantes e industriais que querem aproveitar que a África já tem salários mais baixos que os da China para montar sua base de manufatura. A meta é ter 50 zonas industriais chinesas na África em dez anos. Outra constatação é a invasão de produtos chineses nas prateleiras dos supermercados, garantindo um avanço na relação com as autoridades e entrando nas casas de milhões de africanos.
Outra realidade que literalmente muda a paisagem é o desembarque das construtoras chinesas, financiadas pelo tesouro de Pequim para simplesmente ganhar todas as obras em licitação pública. Empresas brasileiras, como a Camargo Gutierrez, não escondem as dificuldades em competir com os chineses por contratos hoje na África.
Fonte: Estadao
Americanos monitoram ‘conquista chinesa’
Apesar do avanço chinês pela África não ter completado uma década, a rivalidade com americanos e europeus já é uma realidade, seja para conquistar o controle de minas, ganhar licitações públicas e manter o apoio político da região com 54 países. Para muitos, a África pode ser mais uma vez o tabuleiro de xadrez onde a China testará sua força contra outras potências.
"A rivalidade é realidade, mas pode ser positiva. Quanto mais gente interessada pela África melhor. O que posso dizer é que hoje os chineses colocam menos exigências para nos ajudar e isso faz a diferença", diz Olusegun Obasanjo, ex-presidente da Nigéria em duas ocasiões e ex-líder golpista nos anos 70.
Telegramas revelados pelo WikiLeaks de comunicações de embaixadas americanas pela África mostram que a conquista do continente pelos chineses vem sendo cuidadosamente monitorada pelos americanos. Em telegrama de fevereiro de 2010, um diplomata americano em Lagos, na Nigéria, aponta como a China tem sido agressiva na África. Mas é o novo estilo que preocupa a diplomacia americana.
O lema dos chineses para ganhar a confiança dos regimes africanos é não questionar seus sistemas políticos, nem falar de eventuais violações aos direitos humanos. Já o Ocidente é acusado pelos africanos de adotar posição cínica de defender os direitos humanos, enquanto por décadas colocou e tirou quem queria do poder, escravizou milhões e pagou migalhas pelos recursos naturais, quando pagou.
Fonte: Estadao
Nenhum comentário:
Postar um comentário