Páginas

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Trabalhar mais para ganhar menos: fúria francesa na jaula da União Europeia


Aí estão de novo os franceses: em greve, bloqueando o transporte, fazendo tumulto pelas ruas, e tudo simplesmente porque o governo quer elevar a idade da aposentadoria dos 60 para os 62 anos. Só podem estar loucos...

Suponho que essa é a maneira como se vê o atual movimento de massas – como ao menos se mostra – em boa parte do mundo, e sobretudo no mundo anglo-saxão.

No entanto, a primeira coisa que se deve dizer a respeito das atuais greves massivas na França é que na realidade não têm a ver realmente com “elevar a idade da aposentadoria dos 60 para os 62 anos”. Isto equivale a descrever o livre mercado capitalista como uma espécie de carrinho de limonada. Uma simplificação propagandística de questões muito complexas.

Isso permite aos comentarias se debaterem contra as portas abertas. Ao fim e ao cabo, observam sagazmente, as pessoas de outros países trabalham até os 65 anos, de modo que se vai liberar os franceses por que? A população envelhece, e se não se eleva a idade de aposentadoria, o sistema de previdência vai quebrar, tendo de pagar as aposentadorias de tantos anciãos.

 
O sistema francês se baseia na solidariedade entre gerações, no sentido de que as contribuições dos trabalhadores de hoje se destinam a pagar as aposentadorias das pessoas que se aposentam hoje. O governo tentou sutilmente pôr uma geração contra outra, arguindo que é necessário proteger o futuro da juventude de hoje, que paga pelos aposentados da geração baby boom [nascidos no pós-guerra]. Por isso se torna extremamente significativo que na semana que passou os estudantes universitários e do ensino médio tenham se unido ao movimento grevista de protesto. Esta solidariedade inter-geracional é um sério golpe para o governo.

Os jovens são muito mais radicais, inclusive, que os velhos sindicalistas. São muito conscientes da dificuldade crescente de se construir uma carreira. A tendência é que o pessoal qualificado entre no mercado de trabalho cada vez mais tarde, depois de ter passado por anos de estudo. Com a dificuldade de encontrar um posto de trabalho estável, em tempo integral, muitos dependem de seus pais até os 30 anos. É questão de simples aritmética dar-se conta de que neste caso não haverá aposentadoria integral até a idade de 70 anos.





Acontece que o atual movimento de protesto não tem a ver com “elevar a idade de aposentadoria dos 60 aos 62”. Trata-se de muito mais do que isso.

Para começar, este movimento expressa a exasperação com o governo de Nicolas Sarkozy, que de forma descarada favorece os super ricos em detrimento da maioria da classe trabalhadora da França. Foi eleito com o lema: “Trabalhar mais para ganhar mais”, e a realidade terminou sendo que se tratava de trabalhar mais para ganhar menos. O ministro do Trabalho que apresentou o projeto da reforma, Eric Woerth, conseguiu um emprego para sua mulher no escritório da mulher mais rica da França, Liliane Bettencourt, herdeira da L'Oréal, a gigante dos cosméticos, ao mesmo tempo que como ministro a cargo do orçamento fazia vista grossa às suas vultuosas evasões fiscais.

Enquanto as isenções fiscais aos ricos ajudam a esvaziar os cofres públicos, este governo faz o que pode para destruir o conjunto do sistema de seguridade social surgido depois da Segunda Guerra Mundial, com o pretexto de que “não podemos nos permitir” tal coisa.

A questão das aposentadorias se torna bastante mais complexa que a “idade de aposentar-se”. A idade legal da aposentadoria significa a idade em que alguém pode se aposentar. Mas a pensão depende do número de anos trabalhados ou, da quantidade de contribuições do plano conjunto de pensões. Com a desculpa de “salvar o sistema da bancarrota”, o governo tem elevado gradualmente o número de anos de contribuição, de 40 a 43 anos, dando indícios de que se ampliará ainda mais no futuro.

À medida que se prolonga a educação e se começa a trabalhar mais tarde, para ter uma aposentadoria integral a maioria das pessoas terá de trabalhar até os 65 ou 67. Uma “aposentadoria integral” estará em algo como 40% do salário, no momento da aposentadoria.

E ainda assim pode não ser possível que esteja. Cada vez é mais difícil encontrar empregos de tempo integral e os patrões não desejam necessariamente conservar empregados antigos. Ou bem a empresa desaparece e o trabalhador de 58 anos se torna permanentemente desempregado. Cada vez se torna mais difícil trabalhar em expediente completo num emprego assalariado, durante mais de quarenta anos, por mais que se queira. Assim, na prática, a reforma de Sarkozy-Woerth significa simplesmente reduzir as aposentadorias.

Isso é, de fato, o que a União Européia tem recomendado a todos os estados-membro como medida econômica, com a intenção, como no caso da maior parte das atuais reformas, de reduzir custos sociais em nome da “competitividade”, querendo dizer competência para atrair investimentos de capital.



Os trabalhadores menos qualificados, que no lugar de prosseguir seus estudos puderam entrar na faixa da população economicamente ativa jovens, digamos aos 18 anos, terão contribuído durante 42 anos na idade de 60, caso consigam, desde cedo, seguir com emprego durante todo esse período. As estatísticas mostram que sua expectativa de vida é relativamente curta, de modo que eles precisam deixar de trabalhar mais cedo se quiserem desfrutar de algum tipo de aposentadoria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário