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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Denúncias vazadas pelo Wikileaks não representam posição do governo argentino, diz consultor da AIEA


De acordo com documentos sigilosos enviados pela Embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires em 2009 e revelados pelo Wikileaks, a Argentina, representada por Gustavo Ainchil, diretor da Direção de Segurança Internacional, Assuntos Nucleares e Espaciais do Ministério das Relações Exteriores (Digan), alertou Washington a respeito do programa nuclear brasileiro, ressaltando a desconfiança com que enxergava a relação entre o governo do presidente Lula e o presidente do irã, Mahmoud Ahmadinejad.

Para o engenheiro naval e nuclear Leonam dos Santos Guimarães, não há fundamento nas preocupações demonstradas por Ainchil à embaixada norte-americana no país sul-americano.

Leonam, que assessora a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), acredita que, “se existissem ‘apreensões da Argentina’, elas deveriam estar sendo discutidas e resolvidas dentro dos canais de comunicação estabelecidos pelo Regime Regional de Salvaguardas em vigor nos dois países, foro adequado para isso. A realidade das relações Brasil-Argentina na área nuclear é evidentemente amistosa e cooperativa”.

Para ele, caso o despacho reproduza fielmente declarações de Ainchil, elas refletem a posição “de um argentino”, e não do governo argentino. Ele acredita ainda que o modelo de salvaguardas regionais em vigor entre Brasil e Argentina é considerado um sucesso por outros países.

O governo brasileiro sabe da apreensão da Argentina com relação às inspeções nucleares?
Temos que ter muito cuidado para não confundir “apreensão da Argentina” com “apreensão de um argentino”. Se existissem “apreensões da Argentina”, elas deveriam estar sendo discutidas e resolvidas dentro dos canais de comunicação estabelecidos pelo Regime Regional de Salvaguardas em vigor nos dois países, foro adequado para isso. A realidade das relações Brasil-Argentina na área nuclear é evidentemente amistosa e cooperativa, tendo sido muito bem demonstrada pelo recente encontro Dilma-Cristina. Se o fato da “apreensão de um argentino” ter sido levada à consideração de um diplomata norte-americano for fidedigno, demonstraria muito mais uma posição pessoal do que problemas reais entre os governos dos dois países.

É possível que o Brasil "esconda centrífugas" das inspeções?
Se essa afirmação for verdadeira, só poderia ter sido feita por alguém que tenha interesses em desacreditar o Regime Regional de Salvaguardas em vigor nos dois países, dos quais a ABACC [Agência Brasil-Argentina de Contabilidade e Controle de materiais nucleares] é peça-chave. Cada uma das instalações nucleares brasileiras e argentinas possui protocolos de inspeção mutuamente acordados entre os países e a AIEA [Agência Internacional de Energia Atômica]. Quaisquer desvios, ou seja, tentativas de “esconder” alguma coisa, seriam imediatamente relatados pelos inspetores da agência e pelos inspetores da ABACC que, no caso de inspeção em instalação brasileira, são sempre argentinos.

Segundo o despacho, o diretor do Digan avalia que o Brasil recebe um "alerta amarelo" porque seria, a exemplo de Alemanha, Japão e Coreia do Sul, um país que pode desenvolver  bomba se quiser, mas que provavelmente honraria seus compromissos nacionais. Isso é verdade? O Brasil pode construir a bomba com rapidez?
A Constituição Federal veda quaisquer usos não pacíficos da energia nuclear em território nacional. Dispositivo constitucional similar somente existe na Nova Zelândia. Além disso, o Brasil é signatário do TNP [Tratado de Não Proliferação Nuclear] e do Tratado de Tlatelolco, que veda tais aplicações no território da América do Sul, Central e Caribe. Logo, se o fato for real, tal “alerta amarelo” somente poderia ter sido declarado na mente da pessoa que o relatou, não podendo ser, em absoluto, uma posição do governo argentino.

O diretor do Digan afirma que a Argentina se preocupa com o fato de o Brasil não ter assinado o protocolo adicional do TNP e diz que a Argentina prefere não assinar sozinha para "não encostar o Brasil na parede". 
A Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada pelo Decreto nº 6.703, de 18 de Dezembro de 2008, estabelece que o Brasil “não aderirá a acréscimos ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares destinados a ampliar as restrições do Tratado sem que as potências nucleares tenham avançado na premissa central do Tratado: seu próprio desarmamento nuclear”. A condicionante para acréscimos ao TNP, que seria avanços reais no desarmamento das potências nucleares, certamente não foi atendida nem o será no curto prazo.

Caso a condicionante da END venha a ser atendida no médio ou longo prazo, as negociações para a adesão de Brasil e Argentina ao Protocolo Adicional (PA) devem ser feitas no âmbito do acordo de salvaguardas abrangente em vigor nos dois países (InfCirc-453), ou seja, de forma conjunta entre Brasil, Argentina, ABACC e AIEA.

Essas negociações, quando e se vierem a ser estabelecidas, deverão incluir acordos subsidiários que impeçam interpretações do Modelo de PA (InfCirc-540) que possam vir a ferir os princípios da soberania nacional e da propriedade industrial.

O senhor diz que o Brasil não pode assinar o acordo sozinho, mas apenas com a Argentina.
Brasil e Argentina não poderiam, a princípio, firmar de forma independente protocolos adicionais. Isto porque o PA é adicional a um acordo de salvaguardas abrangente em vigor. Nem Brasil nem Argentina possuem tal tipo de acordo individualmente. O acordo de salvaguardas abrangente em vigor nos dois países é conjunto e estabelece a interveniência da ABACC. Logo, um protocolo adicional só poderia ser implementado pelos dois países em comum acordo e com interveniência da ABACC.

Se um dos dois países optar por aderir ao PA individualmente, teria de denunciar o acordo em vigor, firmar um novo acordo de salvaguardas abrangente individual com a AIEA e, só então, aderir ao PA. Tal alternativa implicaria na ruína do regime de salvaguardas regional implantado pelos dois países, um modelo de sucesso reconhecido internacionalmente e que tem sido citado como procedimento que poderia ser aplicado em outras regiões do mundo. Além disso, uma separação do sistema mútuo de vigilância deixaria os dois países sem o acompanhamento da real situação no outro país, o que representa um retrocesso no sistema estabelecido e não resolveria nenhuma “apreensão” que um dos países possa vir a ter sobre o outro.

O diretor da Digan diz ainda que a Argentina tem um plano caso o Brasil desenvolva a bomba, que é demonstrar força através da construção de um navio quebra-gelo nuclear. Como o sr. vê isso?
Caso a afirmação seja correta, creio que esse deve ser o plano “de um argentino” e não um plano “da Argentina”. E, caso tenha sido realmente pensado, provavelmente seria uma resposta à construção de um submarino de propulsão nuclear pelo Brasil.


Por: Natalia Viana
Fonte: Opera Mundi

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