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sábado, 5 de fevereiro de 2011

Crise da moradia na França deixou cerca de 8 milhões em condições indignas ou precárias

Moradora de um subúrbio de um grande centro urbano francês, Marie trabalha há anos em uma empresa, onde ganha 1,3 mil euros por mês. Lá tem um contrato de trabalho de duração indefinida, isto é, são mínimas as chances de ser demitida. A jovem, que vive sozinha com a filha, de 13 anos, recebe auxílio-moradia do governo de 142 euros. No entanto, com o custo do aluguel, de 415 euros, e o aumento dos gastos energéticos – sobretudo o combustível –, o salário se torna insuficiente. Marie deixou de pagar o aluguel, mas ainda não foi despejada, graças a uma lei que proíbe a expulsão em meses de inverno. Porém, a restrição acaba em março, e a única solução de Marie é vender o carro. Sem locomoção, ela pode perder o trabalho.   

A história de Marie (nome fictício) é uma das que foram apresentadas esta semana pela Fundação Abbé Pierre, dedicada aos direitos dos desfavorecidos e dos sem abrigo. “Não dá para ela diminuir ainda mais suas despesas”, detalha o relatório. “Ou seja, a situação dela se degradou sem que tenha perdido o emprego ou tido uma diminuição da renda. Seus recursos se tornaram insuficientes para pagar os gastos, cada dia mais elevados.”   

Este caso ilustra uma nova realidade francesa: uma parte crescente da classe média vive uma “asfixia orçamentária”, expressão usada pela fundação. O preço do aluguel é o principal vilão nesse processo de empobrecimento. O movimento não é recente: segundo o Centro de Pesquisas sobre as Condições de Vida (Credoc, na sigla em francês), os preços dos produtos de consumo foram multiplicados por 10 nos últimos 50 anos, enquanto os aluguéis estão 18 vezes mais altos e os custos com condomínio, 26.   

Para os que querem se tornar proprietários hoje, a comparação é pior. Os preços dos imóveis foram multiplicados por 55 desde 1960. O aumento, porém, não foi regular durante as últimas cinco décadas: a aceleração data dos anos 1980, e a partir do ano 2000, os economistas começaram a qualificar o movimento de “explosão”.   

Inadimplência

O Observatório Nacional sobre a Pobreza e a Exclusão Social (ONPES, na sigla em francês) calcula que entre 2002 e 2006 os gastos “incompressíveis” de 20% das famílias de classe média da França passaram de 52% a 74% de sua renda. A crise econômica mundial piorou a situação de muitos deles. Um estudo recente da União Social para a Moradia mostra que o nível de inadimplência entre os beneficiários de um aluguel subsidiado pelo estado aumentou 13% entre 2008 e 2009.   

Segundo a Fundação Abbé Pierre, atualmente, mais de 3,6 milhões de pessoas podem ser consideradas sem-teto ou mal alojadas, vivendo em barracas, porões de casas e outras habitações indignas. O relatório sublinha também que mais cinco milhões de pessoas estariam em situação de extrema fragilidade, morando em lugares superlotados, em casas precisando de reformas urgentes, ou ameaçadas de despejo.

“Todos proprietários”

A fundação critica a nova política de crédito com taxa zero. Antes destinados somente às famílias pobres, os empréstimos são agora estendidos a todos, o que implica que os mais ricos são os primeiros beneficiários, fato que encarece ainda mais o preço da moradia e aumenta a desigualdade. Segundo o Insee (equivalente francês do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 10% das famílias mais ricas no país possuem 46% dos imóveis, enquanto 50% das famílias mais pobres dividem apenas 7% das moradias.   

Durante a campanha presidencial, o presidente Nicolas Sarkozy havia prometido aumentar o número de proprietários no país, estabelecendo a meta em 70% da população – hoje a cifra é de 58%. Os herdeiros de Abbé Pierre, criador da fundação que ficou famosa nos anos 1950 pela denúncia das condições de vida indignas, asseguram que a política do “todos proprietários” facilitada pelas autoridades pode ser uma armadilha para os mais pobres.   

Desde 2000, a duração para o reembolso da dívida passou de 14 para 31 anos, enquanto a quantidade média de dinheiro emprestado dobrou. Hoje, é possível para alguém comprar sem renda própria, pagando o valor total de uma casa, com somente um empréstimo. Mais isso levou a chamada “taxa de esforço”, ou seja, a parte da renda dedicada à moradia, a 42,8%. Qualquer contratempo, como doenças, desemprego ou divórcio, pode derrubar o orçamento da família.   

Segregação geográfica   

Além disso, o aumento contínuo do preço dos imóveis incentiva as famílias mais pobres a comprar nos subúrbios, longe das metrópoles. O movimento provocou uma valorização dos custos de transporte, que passam a representar até 18% da renda disponível. Também reforça a segregação geográfica, já que as famílias mais ricas abandonam as zonas que atraem as mais pobres.   

Para resolver a crise da moradia, a fundação propõe a construção de 500 mil novas casas por ano e sugere mudanças nas lei e nos impostos. É exatamente o processo contrário que está acontecendo: enquanto 435 mil habitações foram construídas em 2007, o número caiu para 350 mil em 2010.    
Fonte: Opera Mundi
Por:  Lamia Oualalou

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