Em Sidi Bouzid, na Tunísia, um homem ateou fogo a si mesmo, dando início à onda de manifestações contra o governo (Zohra Bensemra/Reuters)
A onda de protestos populares que varre a Tunísia desde dezembro e que culminou com a renúncia do presidente do país Zine Al-Abidine Ben Ali, há cerca de uma semana, deu início a manifestações em outras nações árabes da África, como Egito, Jordânia, Argélia e Iêmen. A preocupação da comunidade internacional é que as revoltas piorem o clima de instabilidade política, econômica e social existente na região.
“Todos esses países muçulmanos do norte da África têm uma herança colonial forte. São países pobres, com rendas per capita muito baixas e com uma população muito mal remunerada”, observa Pedro Paulo Funari, coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para ele, esse é o fator mais importante para entender como a Tunísia chegou à situação atual.
Funari explica que essas sociedades são muito parecidas estruturalmente, pois são países que têm grandes parcelas de suas populações inseridas na pobreza, com elites muito bem encasteladas no poder e regidos por regimes ditatoriais sufocantes. “Isso significa que estão dadas as condições para que algo similar também ocorra no Egito.”
Em comparação às demais nações de maioria muçulmana do mundo árabe, a Tunísia era vista como um país estável e detentor de um dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do continente africano. Nenhuma dessas características, porém, fez os tunisianos se calarem frente aos abusos econômicos e a falta de assistência à parcela mais carente da população. Um passo importante rumo à democratização do país.
“A revolução pela qual passa a Tunísia, após a renúncia de Ben Ali, parece ter dado mais voz ativa aos tunisianos”, avalia Rafael Pons Reis, professor do curso de Relações Internacionais do UniCuritiba. O professor também afirma que o país vive – desde a fuga de Ben Ali para a Arábia Saudita – um momento especial, graças à possibilidade de formação de um novo governo, sem vínculos com a ideologia que predominava até então. “Trata-se de um momento em que a Tunísia poderá vir a descobrir como os árabes poderão instituir a democracia em seus países.”
Mas não se trata de uma tarefa fácil. Para que o novo governo tenha sucesso, não poderá prescindir da ajuda popular. “Sem a participação pública, sem o aumento do envolvimento da população, fica difícil pensar numa transição democrática para o país. Sem isso, haverá um processo transicional sim, mas apenas como uma manobra de fachada”, argumenta Pons Reis.
Estado islamita
A construção de um Estado islamita na Tunísia – afinal, trata-se de um país de maioria muçulmana – é uma preocupação eminentemente ocidental, mas pode não se concretizar. “No caso da Tunísia, as manifestações e protestos parecem não ter ligação com os islamitas. Ao contrário, pois o que se percebe é a participação de grupos mais liberais no aspecto cultural”, destaca Pedro Paulo Funari.
Para as potências econômicas do Ocidente, o temor da instauração de um Estado islamita na Tunísia passa pelo receio de que a população – miserável, composta por camponeses de maioria pobre e analfabeta – possa vir a eleger um candidato islamita. “Um presidente sobre o qual a parcela da população mais informada, que tem acesso à internet, fala francês e que comandou os protestos nas ruas de Túnis [capital do país], não terá controle”, afirma Funari.
Medo de democracia
De acordo com o coordenador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp, as potências ocidentais temem a democracia nos países islâmicos porque acreditam que se ela for construída de fato – com eleições livres e partidos diversos – possa acontecer o mesmo que ocorreu na Argélia em 1992, quando os radicais islâmicos chegaram ao poder.
“A vitória islamita, nesse caso, resultou num golpe de Estado e numa guerra civil violentíssima”, relembra.
Apesar do receio ocidental da instauração de um Estado islâmico na Tunísia, Rafael Pons Reis considera o levante tunisiano altamente positivo. “Não podemos deixar de considerar esse caos político benéfico, já que abre espaço para uma nova geração.”
O professor do UniCuritiba se refere ao fato de que, em várias partes do mundo, jovens tunisianos se reuniram em frente às embaixadas da Tunísia para protestar contra a atual situação do país.
“Uma geração que talvez tenha a capacidade de conduzir a Tunísia a um processo democrático de valor inestimável às futuras gerações”, conclui.
Fonte: Gazeta do Povo
Por: Adriano Cesar Gomes
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